sexta-feira, 4 de fevereiro de 2011

O nascer de um novo dia




Dois anos. Dois anos passados a relembrar aquela noite. Aquele cheiro imundo de um beco sujo. As suas mãos ainda parecem tocar-me, a sua voz ainda ressoa na minha cabeça, e a sua imagem? A sua imagem é, especialmente, difícil de esquecer.

- O advogado de defesa de Nick Jonas, o popstar que está preso por violação, recorre novamente ao tribunal com intenções de… - com mais um suspiro Megan carregou no botão do seu comando. – Nick Jonas poderá… - com mais intensidade, voltou a carregar no botão para, rapidamente, mudar de canal. – A banda dos irmãos Jonas que, exactamente, neste dia… - há dois anos, anunciaram o fim devido ao grande escândalo que envolvia o mais novo. Maggie assobiou entre dentes. Podia fazer um telejornal sozinha. Já sabia as falas todas de cor. Hoje fazia dois anos desde que se fizera justiça. Havia sido violada pelo famoso Nick Jonas em plena noite de Maio, num beco no centro da cidade. Ninguém a ouvira gritar, ou se ouviram não a ajudaram; ninguém tinha vindo em sua defesa e perante a força de um homem nada pôde fazer a não ser chorar e rezar (algo que nunca fizera antes) enquanto ele a possuía contra-vontade.

Hoje, sentada no sofá, despenteada e com uma tigela de cereais na mão, relembrava o momento. Não por muito tempo.
- Idiota do rapaz! Porque raio é que ainda penso em estrangular-te? Vais apodrecer na cadeia até eu ser velha e rugosa. Nem te lembrarás de mim! – Levantou-se repentinamente desligando a televisão e atirando a manta para o chão. A casa estava, visivelmente, desarrumada. Há uma semana que se mantinha refém de si própria. Não entrara na faculdade e isso tinha-a deixado em baixo, sem saber o que fazer limitara-se a permanecer agarrada à sua fiel companheira: a televisão por cabo.
- Que bem-dispostas que estamos hoje. – Aquela que descia as escadas com ar de quem batera três vezes contra uma parede era a Sue. A melhor amiga de Megan que, quando o namorado se recusava a dormir com ela, vinha ocupar o quarto de hóspedes da pequena vivenda.
- Já viste a tua cara? Parece que dormiste com um guaxinim no quarto. Queres que chame o exterminador? – Sue atirou-lhe um risinho irónico e abriu o frigorífico na esperança de que houvesse algo mais comestível que uma maça meia podre.
- Não há nada que se coma aqui! – Bufou frustrada. – Tens de ir às compras, Meg! – Gritou quando Megan já subia para o andar de cima. Ligou a televisão e sentou-se no sofá agarrada a um pacote de bolachas semi-comido. – Estás na TV, babe. – Megan apenas lhe respondeu com um urro. Era o aniversário da condenação do seu violador, as imagens do julgamento iam passar em todos os noticiários durante todo o dia. As fãs da banda iam montar um acampamento à frente da prisão e, provavelmente, muitos polícias iam perder a paciência com elas. Tal como no ano anterior acontecera.

Tomou um banho quente e vestiu-se. Hoje estava um óptimo dia para ir passear, comprar algo para encher o frigorífico e deprimir um pouco com os comentários dos vizinhos.
Deixou Sue a falar sozinha ao sair pela porta da rua. Acenou à vizinha idosa, não lhe dando tempo para responder. Passou a mão na cabeça do cachorrinho que permanecia sentado em frente ao seu portão e prosseguiu, a pé, para o centro da cidade.
- Megan! Como estás? – A pena que via nos olhos das pessoas quando a apanhavam neste dia era ridícula. Ela sentia-se bem. Dentro dos possíveis. O primeiro ano fora o mais difícil. Chorara noites a fio e pensara várias vezes em cometer suicídio, mas agora? Agora permanecia, psicologicamente, estável, como dizia o seu terapeuta. Fora obrigada a ir a um psicólogo, terapeutas e até a um psiquiatra. Os Jonas são uma família com dinheiro e isso não lhe faltou. A indemnização que foram obrigados a pagar chegava para que vivesse confortável para o resto da sua vida e tinha direito a tudo o que precisasse: desde cuidados médicos a jurídicos. O mais novo dos irmãos sabia bem o que tinha feito e, apesar de Megan pensar que ia ser difícil provar que o crime acontecera, ele simplesmente se entregara.
Os quiosques na rua estavam cheios de raparigas, e certamente hoje seria o dia em que a comunidade infantil comprava mais jornais. As televisões na montra da loja de electrodomésticos do Mr. Ben mostravam todas a mesma imagem, a mesma notícia. Tinha a sua cara estampada em tudo o que era media e, apesar de já estar um pouco habituada, aquilo ainda lhe fazia confusão.

Depois de sair do supermercado carregada com cinco sacos plásticos cheios de comida pré-feita e congelada dirigiu-se para a praia. Gostava de se sentar na areia e absorver cada onda que morresse ali aos seus pés.
Um dia talvez se desse ao trabalho de o visitar na cadeia, um dia talvez até falasse com ele. Mas por enquanto, ia permanecer quieta, sossegada no seu canto, à espera que aquele dia passasse e que o amanhã chegasse.

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